O GOLPE... SERÁ O DE MISERICÓRDIA? - por Fernanda Macêdo

Como se não bastassem todas as dificuldades enfrentadas por todos os filhos desta Pátria, eis que uma liminar cai como uma avalanche em nosso Sistema de Saúde Pública.

Pode-se afirmar que a decisão adjudicada por um juiz da 20ª Vara do Distrito Federal paralisou em parte o SUS; uma afronta, um ataque ao Sistema, aos enfermeiros(a) e à população que utiliza o Sistema, notadamente os mais pobres.

O Conselho Federal de Medicina impetrou uma ação contra a União, questionando o exercício da profissão do enfermeiro(a) no âmbito da Atenção Básica, no que diz respeito à requisição de exames por parte desses profissionais.

Poder-se-ia indagar: por que tanto barulho por tão pouco? Implícitos estão, nesta única proibição , a autonomia do enfermeiro(a) no exercício do cuidar,  o não reconhecimento de sua  capacidade em estabelecer diagnóstico após a interpretação de exames, entre outras. Há, consequentemente, uma reação em cadeia, que conduz, inexoravelmente ao caos ainda maior  na Saúde Pública. Uma decisão que gera um impacto extremamente negativo, haja vista todas as vertentes originadas desse ato.

Com relação ao cuidado e à assistência, o enfermeiro(a) vê-se impossibilitado(a) de iniciar o pré-natal e sequenciar as primeiras consultas, já que não pode solicitar os exames que estão em protocolos de saúde pública e muito menos interpretá-los para que possa fazer uma consulta resolutiva, o que coloca em risco a vida de usuários do sistema, pois torna-se impossível ao médico assumir toda esta demanda. Sabe-se que infecção urinária pode levar a óbito a mulher, bem como é causa de abortos e morte neonatal, entretanto, mesmo reconhecendo os sintomas, o profissional enfermeiro não pode solicitar um mero sumário de urina, sem falar aqui dos casos assintomáticos. Não se pode realizar o exame citopatológico de colo de útero (Papanicolau), há anos executado pelo(a) enfermeiro(a), já que, com esta liminar, não é concedido o direito de requisitar e o impresso  oficial do SUS é uma requisição. Estamos vivenciando epidemia de sífilis, recrudescimento de tuberculose, entre outras doenças e, nesse momento, nenhum exame para estabelecer um diagnóstico pode ser solicitado, inclusive de testes rápidos para sífilis, hepatite e HIV, os quais são executados na própria Unidade de Saúde.

Está implícito, nesta liminar, o não reconhecimento da capacidade do enfermeiro em exercer suas funções,  a observação da lei  7.498/1986 , a qual regulamenta o exercício da profissão de enfermeiro  e da  portaria 195 de 18 de fevereiro de 1997, que em seu artigo 1º faculta ao enfermeiro a solicitação de exames de rotina e complementares, as quais não foram respeitadas , por interesses espúrios da representação de uma categoria em detrimento a toda a população usuária do Sistema Único de Saúde e aos enfermeiros. Sequer foi observada a lei 2436/2017 que substituiu a lei 2488/2011 que trata também das atribuições do enfermeiro   no âmbito do SUS. Leve-se ainda em consideração, que o profissional enfermeiro tem suas atribuições facultadas também pelo conhecimento adquirido em uma graduação, em capacitações e pós graduações.

Na verdade estamos vivendo um retrocesso. Não se pode admitir, nos dias de hoje, em Saúde Pública ou em qualquer outro setor a centralização de decisões em um só profissional. Há condições do profissional médico assumir toda a demanda reprimida originada deste ato? (realizar citológico, fazer 1ª e 2ª consultas de pré-natal, 1ª consulta de pré-natal do parceiro, 1ª consulta ao recém-nascido, solicitar todos os exames, preencher todos os impressos...). Isto é síndrome de Deus. Os saberes devem ser somados , compartilhados e integralizados para o cuidado mais eficiente da população. A lógica da equipe multidisciplinar deve prevalecer, pois o exercício individualista não fortalece o Sistema. A intersetorialidade, que deve ser exercício de gestões, preceitua-se   nas bases do serviço.

Pode-se dizer sem soberba que o enfermeiro é o profissional indispensável no Contexto de Saúde Pública, basta olhar os diversos setores por eles ocupados e suas produções nos diversos segmentos. Falamos aqui na enfermagem, por que é esta a categoria atacada por esta liminar. Não obstante, deve haver o reconhecimento de todas as categorias que somam o Sistema.

Cabe uma reflexão: A quem interessa este ato? Aos cartéis formados por clínicas particulares e/ou planos de saúde, que já pensam em  comemorar a engorda de suas receitas com o aumento da procura da demanda reprimida?

Enfim, só vislumbramos perdas. Perde o enfermeiro a autonomia conquistada por anos de estudos e exercício da profissão, perde, expressivamente, a população assistida na Rede Pública de Saúde, os que não têm condições de pagarem exames particulares e perde o Sistema Único de Saúde, cada vez mais combalido.

Fernanda Macedo de Castro
Enfermeira
Especialista em: Saúde Coletiva; Enfermagem do Trabalho; Micropolítica da Gestão do Trabalho em Saúde;Urgência, Emergência e Pré-Hospitalar

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