O professor e cronista guarabirense Percinaldo Toscano publicou na quinta-feira (13) o texto “Além da Minha Rua”, uma reflexão poética sobre as ruas de Guarabira e sua importância na formação da identidade coletiva da cidade.
Na crônica, o autor relembra a infância na Rua do Tambor e destaca logradouros tradicionais que marcaram gerações, como a Rua do Sol, Rua do Mosquito, Rua da Matriz e a emblemática Rua do Boi Choco — hoje Prefeito Manoel Lordão — onde viveu experiências marcantes, incluindo as primeiras descobertas escolares.
Percinaldo propõe uma retomada da memória urbana, criticando a substituição de nomes populares carregados de histórias por designações oficiais que pouco dialogam com os moradores. Para ele, as ruas são mais do que caminhos físicos: representam vínculos afetivos, cultura e a essência da vida comunitária.
Ao defender que Guarabira preserve e valorize seus nomes tradicionais, o cronista reforça que a história das ruas é também a história das pessoas que nelas construíram suas vidas.
Veja a publicação na íntegra
ALÉM DA MINHA RUA
Percinaldo Toscano (Cronista)
Em minha cidade, irmã de tantas outras sob o mesmo céu, as ruas se multiplicam, em face do êxodo rural e do fascínio incontrolável pelos prazeres do consumo. São veias abertas no chão, traçando mapas que se iniciam nos confins dos bairros taciturnos, onde a calma reside, e se alongam por uma via asfaltada até o coração pulsante da vida urbana, onde explode a dança febril de sons e movimentos, constituindo o tecido vivo da cidade.
Sejam pavimentadas, asfaltadas, sem pavimento algum – ainda sob chão batido - todas carregam consigo uma alma vestida de imutáveis sentimentos emocionais, expondo as agruras e levezas do cotidiano.
Assim como as cidades, a energia das ruas habita nosso sistema sanguíneo na oxigenação das ideias que nos leva a constituição de nossa própria história. Nelas, as arvores, as pedras, os cantos dos sapos e grilos sonorizam os encontros infantis à luz prateada dos céus.
Não muito distante, conheci os percalços de minha querida Rua do Tambor - única dos meus sonhos – com falda d’agua, sem pavimento, mas ornamentada de esperança, da alegria de brincar nas noites, sendo banhado pelo luar vindo do Leste.
Adjacentes a minha rua, habitei tantas. Rua do Sol, a primeira a ser aquecida pelos raios solares da manhã; Rua do Mosquito, onde pratiquei minhas primeiras aulas de futebol ao lado dos amigos: Bira, Batista, Geovane e Pelé, esse o melhor entre nós.
A Rua do Boi Choco (hoje Prefeito Manoel Lordão) sempre foi emblemática, talvez por abrigar a escola Antenor Navarro (1933) - meu primeiro berço das letras - ou por nos guiar até a estação do trem da Great western, passeio fascinante pela temerosa travessia da ponte de ferro sobre o Rio Guarabira, temível nos dias de inverno.
As ruas do passado – ainda latentes em mim – tinham seus nomes mais carinhosos, amáveis e solidários com seus moradores, criando uma conexão direta com a paisagem local.
Rua da Matriz, ornada pelo casario do final do século XVIII, tendo seu maior exemplar a Igreja de Nossa Senhora da Luz; Rua do Riacho dos Cachorros, Rua da Estrela, que fazia brilhar corpo e alma das vidas boêmias; Rua do Chamego, do Juá e outras mais.
Existia sim, uma cumplicidade do “eu lírico coletivo” com a nominata dos logradouros. No processo de simbiose entre moradores e ruas, surgiram, ainda, as ruas da Baixinha, da Barreira, da Barra, Rua do Cachimbo Eterno, Rua do Lenço e muitas outras.
As nomenclaturas populares atribuídas as ruas, além de belas e legítimas, marcam a existência de pessoas singelas que ali residiram como Maria de Cané, que teve seu nome aplicado sobre a caliça da ladeira de suas desventuras; Joana Toco, assim como Maria de Cané, emprestou seu nome a outra ladeira da vida urbana de Guarabira.
Existe coisa tão original como Ladeira do Tororó? Desafiando a tudo e a todos nas invernadas.
Vez em quando volto a imaginar: Quem dotado de tanta insensibilidade e pobre de poesia, substituiu nomes de ruas como Rua do Lenço, Rua do Cedro, Rua do Sol, que a exemplo da cidade do Recife recebe o nome de Rua da Aurora, por ser a primeira a receber os raios solares ao amanhecer. Que desdita dos nossos legisladores do passado ao substituir a memória coletiva, tão viva, por nomes nada importantes em nossas vidas.
O poeta compositor Alceu Valença, em “Pelas ruas que andei” faz uma clara homenagem ao sentimento de pertença do povo Recifense. No Rio de Janeiro mantem-se viva a Rua da Lapa, reunião de boêmios, sambistas e cultura Carioca
Diante a complexidade e a simplicidade das coisas vivas, o que poderia fazer nossos atuais legisladores, pelo menos, é colocar ao lado do nome oficial das ruas, aquele que outrora nos deu endereço.
Guarabira, 13 de novembro de 2025


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